segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Ainda sobre água

Antes disso, quero dizer-vos que mais uma noite de poesia se fez na cidade da Maia, aonde não pude ir por estar no casamento da Inês.
A Inês: sobrinha querida, também teve a sua noite de poesia.
Recitei, no auge da sua festa:

És linda noiva que ri... Boca breve,

Idílio cor-de-rosa... meu deleito!

Sob um vestido branco, como neve,

Há um coração d’ oiro em teu peito.


É fantasia que a tua alma deve

Ao Céu que te abonou honrado jeito.

E nesta vida tão curta... tão breve,

Tu és rainha das noivas... a eito!


O ver o teu sorrir faz bem à gente,

Quando... INÊS... se diz suavemente

nos cheira e sabe a nossa boca a flores.


Tu és sobrinha tão dilecta e querida!

Desejo-te faustosa... longa vida...

Lindos filhos, muitos netos... amores!


Também tive o cuidado de mandar pela NET a minha contribuição para o "Movimentum Arte e Cultura", cujo tema obrigatório era "Vindimas".


Chamam-me vindima. Sei lá quem sou!

Sinto-me prenha de cachos doirados...

Esta gente que por mim entrou,

Vem-mos cortar... ó meus cachos, coitados!


O sol que desponta meu ser “gelou”...

Nada me tira destes meus cuidados.

Cachos decepados!... que triste estou...

Deliciosos sois... oh, torturados!


Sinto do parto a dor que despedaça...

O bálsamo pós parto que se abraça

Num desafogo que se quer beijar.


Extingo-me entre súplicas de pagã

Como qualquer vindima minha irmã...

P´ra renascer feliz no meu lagar.


Maia, 05 de Julho 2009

Leonel Olhero


Agora sim, aqui vos deixo o continuar da viagem para a Guiné.

Já fez 38 anos que lá apareci e hoje fà-los que cheguei a Bula - sítio no mato aonde parei de sonhar.

Como o tempo passa! Chiça!!!


Uige

Sucedia lenta e perfeita a viagem e no final do dia seguinte, estava quase o sol a pôr-se, deitei com curiosidade os descontentes olhos ao mar e nada mais vi a não ser muita água e tanto céu e senti-me nauseado porém, porque era o furriel mais novato da minha Unidade fui escalado para ir de serviço durante a viagem e não tive tempo para puder enjoar. Aconteceu que no navio passou a haver polícia de bordo e um major, um alferes e dois furriéis, eu era um destes, íamos cada qual com dois primeiros-cabos em turnos de seis horas patrulhando todo o vapor. Viajávamos armados e precavidos para impingir respeito àquelas mais de três milhares de estigmatizadas almas naquele inferno amontoadas. Ali navegavam milheiros de cabeças errantes e muitos militares, uma vez a bordo, mais não fizeram do que jogar à lerpa e a dinheiro.

Milhares de camas empilhadas, onde deviam descansar outros tantos soldados, encontravam-se em dois porões que dias depois estavam infestados de insectos, com lixo por tudo quanto era sítio, latas de conserva e maços de tabaco vazios, papéis e beatas arremessados lá pelo chão e nos cantos mais pardos até trampa havia. Os viciados não deixavam os porões nem para ir às casas de banho. Aqueles imbecis aboloreciam sem ver a luz do sol durante dias consecutivos e nem subiam para as refeições; comiam o que outros lhes mercavam na cantina. Alguns daqueles palermas, que perderam no jogo todo o dinheiro e haveres, tinham sentinelas que os avisavam quando a polícia de bordo aparecia ao fundo do incomensurável corredor. Porém, nós fazíamos vista grossa, não fosse o pessoal amotinar-se. Sabíamos que ali navegava filho de muita mãe e por isso, apesar de termos recebido ordens para confiscar cartas, dinheiro e identificar os prevaricadores, só lhes evidenciávamos um receio, que eram as pontas de cigarro acesas que aqueles depravados deitassem para o chão causando um incêndio a bordo. Movidos por tal medo, continuadamente lhes lembrávamos para que apagassem as priscas; não fossemos acabar nos peixinhos.

Os dias iam tão tristes quanto eu, enquanto mais aqueles porões tresandavam a merda e mijo. Um cheiro nauseabundo e pestilento impregnava aquele ar que se tornava cada vez mais repugnante à medida que para nós se abeirava o bafo do Equador. Muitos almejavam chegar a África e lá não havia de cheirar tão mal.

Uma placa bem pintada e suspensa numa corrente de ferro aludia não ser permitido o acesso para além dela, a não ser à tripulação. Saltei-a estando lá o comandante do navio; abeirei-me dele e com positiva eloquência revelei-me prevaricador, pretendia igualmente alargar os meus horizontes, disse-lhe gracejando. Simpático e também rindo, o oficial ripostou que no navio iam milhares e um só a infringir não era relevante. Ajuntou mesmo que podia ir ali quando bem entendesse. Assim o fiz por ocasiões contínuas numa beata violação e demorei-me por ali com um sempre olhar distante, para lá da proa naquele horizonte humedecido. Daquele soberbo ponto sulquei infindáveis milhas deambulando os meus amargosos olhares pela imensurabilidade do oceano. Vi enormes cardumes de peixes, literalmente voando à frente do navio. Deliciei-me com a companhia de alegres golfinhos que nos precediam com jocosas brincadeiras e, pela sua maneira divertida de proceder, antevi que não iam para a Guiné.

Naquele insípido retiro, desprezado, abandonava-me aos mais desconsolados pensamentos, mas em vez de chamar a morte em meu socorro, sentia-me muito mísero, foi mais forte o amor à vida que me levou a querer prolongar a existência e se possível até aos cem anos. Em retalhos de noites... que nostalgia!... encostado à chaminé do navio, fui transportando comigo o luar. O silêncio caía-me em gotas enquanto rebuscava na vastidão do oceano respostas para aquela desconsolada vida. Era naquele gueto, já sem sombras do sol-pôr, que pensava no meu carrasco e amargurado fim e, enquanto o mar persistia resignado e sereno, o desgraçado e pateta barco, que sulcou atilado, passou a andar louco e aos ziguezagues. Podíamos ver no dorso das salgadas águas e na espuma branca que fazíamos as curvas que então pintávamos.

Uma tarde um, junto da chaminé, disse que era estratégia para iludir um suposto submarino russo e assim poder-se-ia evitar uma colisão... “fruto do acaso”... Pude enxergar que a minha má estrela tinha definido o puto do meu destino. O espírito maligno, abominável criatura que me queria mal tinha, com desdém, decerto tudo combinado, mas se me queria tramar havia de ir para África comigo... para o inferno!


Cabo Verde

Ziguezagueando, no Domingo avistámos terra e detemo-nos ao largo da ilha do Sal e no dia seguinte fundeamos ao largo da cidade da Praia.

Na manhã do último de Agosto ancorámos na ilha de São Vicente e alguns centos fomos a terra. Lá, vi com os estes meus olhos quanta miséria maltratava aquela gente. Vi o que nunca pensei ser possível... duas cabras deambulavam tristes pela rua comendo papel de um saco se cimento que se tinha rasgado e adiante duas martirizadas mulheres, que iam no encalço de militares, aguardaram que um deles atirasse ao chão a casca da banana para sobre ela se arrojarem, repartindo-a e devorando-a...

Que foi feito do meu sonhar?!... tudo me fugiu... tudo me morreu...

Fiquei agoniado e triste com tão horrendas visões, mas o barco que as não enxergou, ao anoitecer teimou em nos levar até ao nosso perigoso destino.

...

Em África o sol morreu, o mar vestiu-se de luto, a triste noite caiu - mas não se magoou - e nós víamos um céu translúcido e cintilado, e lá ao longe pestanejavam-nos as pálidas e mortiças luzes de Bissau.

Ainda ao largo, estafado e farto de tanta salgada água, o navio parou as máquinas e foi dormir. Envolveu-nos a serenidade mais completa que é exequível imaginar; senti o cáustico golpe do silêncio, desci ao camarote, a minha alma ajoelhou-se desalentada e deixei-me desanimar arrastadamente num granjeado sono.

Na manhã seguinte com os meus penitentes olhos espreitei pela escotilha e vi que o sol acordava pálido e se elevava poucos graus acima do horizonte, enquanto a minha descontente alma mergulhava numa pasmaceira muda. Sem descanso, por sobre aquele mar de azeite ameigado pela brisa quente, os meus olhares percorriam, para lá e para cá, a distância que nos desapegava de Bissau e assim se animava mal aquele dia de sábado.

Às dez da manhã, torturado e não podendo deixar de sentir a paciência da minha angústia, preparei-me para o desembarque. Carreguei os meus haveres, botei o pé naquela incendiada terra e senti a violência de toda aquela temperatura deplorável. O sol iluminava-me vivamente, o calor húmido tornava o ar parado e pegajoso e difícil de respirar; as endemoninhadas roupas colavam-se à minha pele e a transpiração era incómoda e constante.

...

Cheguei a África, terra de sol!


Um abraço a quem me lê. O meu obrigado público a quem me vem seguindo e ainda a quem me envia mensagens de carinho e ânimo, para aqui continuar com as minhas memórias.

Obrigado àquela seguidora que, inclusivé, manda beijinhos para os meus netos.

Sei que há forma diferente de fazer estes agradecimentos, só que as minhas noções de informática não deixam que os faça de outra maneira.

Àquele que me diz que, também por aqueles dias, viajou no Uige para a Guiné, um abraço especial por ter regressado. Todos sabemos que muitos o não fizeram e não foi por vontade própria que assim agiram. Coitados!

Até breve!




1 comentário:

  1. Troquei as voltas a um Golfinho feliz
    Afagei a cria de uma Baleia azul
    Confundi uma nuvem com ilha encantada
    Perdi-me na rota entre o Norte e o Sul

    Aprisionei o olhar de uma gaivota
    Enchi a alma com penas de imensa leveza
    Enchi o coração de doce maresia
    Adormeci nos braços da incerteza

    Vem viajar comigo no meu barco de papel


    Bom domingo

    Abraço

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