quarta-feira, 4 de março de 2009

A promessa

- Fiz vinte anos e repetidas vezes falas que andastes na guerra de África. Pai, queria que me contasses as tuas aventuras lá vividas. Como foi?

- É verdade, meu filho, andei lá, não eras Luís Filipe e os teus mais velhos irmãos não eram nascidos ainda; para lá fui com a idade que tens. Contar-te  os sacrifícios, as privações e os divertidos momentos, houve-os também, dá-me até um certo gozo e agrado. Recordar aqueles tempos é reviver mais de dois anos da minha já fugaz juventude, dá-me saudade, mas aventuro escrever um livro que te destino, ofereço-o aos teus irmãos e dedico-o à tua mãe, a minha querida namorada daqueles tempos.

Vão três décadas que retornei.

Milheiros trilharam os mesmos sítios e numa luta fratricida, muitos não sentiram a incomensurável alegria do regresso. Caíram ingloriamente...

Não te falo agora de camaradas que, pisando minas, voltaram intempestivamente estropiados para junto das suas famílias. Não te conto já, mas lá chegarei, como adormeceu para a eternidade um colega de quarto e no dia  seguinte outro se abateu no mesmo triste sono perpétuo...

Cuido dizer-te ainda a minha vida militar até que um grande navio me levou até àquele tórrido continente e não posso e  nem devo esquecer milhares, forçados a deixar as famílias para combater e amargar em África. Para todos eles alteio o pensamento e dirijo estas linhas não ignorando que muitos persistem estigmatizados pela guerra e andam por aí ainda apavorados com problemas e tantos... coitados! ... fazem filas nos consultórios dos psiquiatras.

Que ninguém finja que  não existem porque todos os dias cruzamos com eles. Cruel e triste realidade! Disfarçar, não! Nem vale a pena e repugna-me que políticos mentirosos impunemente o tenham feito.

Leitor: deixe que mande à... sim, à merda, alguns daqueles políticos, assente-se no seu cadeirão preferido, ponha a tocar a sua música predilecta, evada-se da malícia dos cuidados de todos os dias e fuja da rotina, esqueça o que lhe possa parecer incómodo e continue a ler, antes que pausadamente a memória nos apodreça. Vire, uma a uma, as páginas a este livro recheado de antigas recordações que afectuosamente lhe consagro e vai reviver negra época da nossa história em que milhentos jovens sofreram amarguradamente para defender a Pátria daqueles dias.

Venha daí!

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