sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Quando eu tinha doze anos. Sim. Escassa dúzia deles. Num mês que também era de Janeiro. Penso.

Na aldeia uma idosa faleceu.

Poucos serão os dias em que não me lembro dela...


“A madrinha:”

A saudade continua a visitar-me à distância de mais de meio século. Na penumbra do tempo vejo uma velha tia da minha mãe.

Solteirona. Pequerrucha. Cara ressequida. Vincada por rugas intensas. Olhos pequeninos.

Verdes.

Apagados pela idade e tomados de paixão por um Senhor Jesus Cristo, sempre vivo no Sacrário.

A beata de grandes sorrisos tinha uma voz seca e sumida. Como se a todo o instante fosse comungar.

A tia Margarida morava numa casa pequenina.

Árida.

No cimo duma aldeia da Campeã.

Todos os dias descia. Visitava-nos nos seus vagares.

Naquele Marão grande até já as pedras do caminho lhe conheciam o tropear das rompidas socas.

Briosa. Num bolso de avental arrecadava eternamente côdeas de pão de milho.

Não tinha dentes para elas.

Com as côdeas mimoseava garotos descalços.

Sujos.

Canalha que descobria na passagem. A miséria coabitava com todos.

Em nossa casa o afecto levava-nos a chamá-la de “madrinha”.

Por quê?!

Não sei.

Sei só que ela não era madrinha de ninguém.

Sua sobrinha. Minha mãe sempre lhe oferecia algum mimo. Por eleição coisa que fosse doce.

A formiguinha também nunca torceu a cara a um bom copo cheio de vinho.

Tinto.

Meio de açúcar.

Mas dava gosto vê-la de boca aberta. Copo empinado. Esperando pacientemente que a guloseima se deixasse escorrer...

Fungava depois:

Do que mais gosto... lambia-se... é da última pinga de “açucre”.

Até amanhã!... ajuntava.

Ia saindo de olhos esperançosos pousados no copo ressequido.

Afundava a mão na algibeira.

Já sem côdeas.

Arrancava-lhe um rosário.

– De contas feitas de caroços de azeitonas. Polidas por ossudos dedos –

Com medalhas de figuras de Santos nele presas.

...

Talvez rezasse já pelo próximo copo de briol.

Desejaria perduravelmente escorropichar mais um derradeiro trago de “açucre”.

...

Assim a sua sequiosa crença lho impingia.

2 comentários:

  1. Interessante esta página de um mundo rural e ainda não muito longe e muito bem escrita.
    Um bj e boa semana
    Graça

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  2. Vim convidar pra ver meu novo vídeo., homenagem ao PERÚ. No Blog: """SENTIMENTOS"""
    http://sentimentosjacque.blogspot.com/

    Beijo

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